sábado, 3 de janeiro de 2009

ALHO E ALHO-PORRO

Na crônica anterior deixei a minha opinião sobre alimentos funcionantes e, ao fazê-lo, era minha intenção recorrer à facilidade do exemplo para ilustrá-la. Depois desisti porque alongaria o texto desnecessariamente. Mas – nem de propósito – no dia seguinte tive acesso a um artigo recente dos ‘Archives of Internal Medicine’ sobre a acção do alho nos valores do colesterol que me obriga a voltar ao assunto.

Diz o autor – e passo a traduzir – que o alho é largamente promovido como agente capaz de baixar os valores do colesterol, mas os estudos de eficácia têm produzido resultados conflituosos. Na avaliação que levou a cabo durante seis meses em 169 doentes, utilizando alho cru e dois suplementos existentes no mercado americano indicados para baixar o colesterol, não encontrou efeitos – clínico ou estatístico – significativos na concentração das gorduras circulantes.

Em entrevista concedida posteriormente à publicação do seu trabalho, Christopher Gardner, investigador do Stanford Prevention Research Center, na Califórnia, afirmou sobre o alho; que ele simplesmente não funciona (“it Just doesn’t work”) e acrescenta que em alimentação não há atalhos, só se consegue uma boa saúde com alimentação saudável porque não existe um comprimido ou uma erva que se possam tomar para contrariar a incorrecção de uma dieta. Por outras palavras – digo eu – alho verdadeiramente funcional só o porro em noite de São João.

Vai daí que tanto o alho (Allium sativum) como o alho-porro (Allium ampeloprasum, variedade porrum), ao qual mudamos o apelido que trasanda a rusticidade e registamos como Frances para o inglês ver, perderam rapidamente muita da sua fama de alimentos excelentes para baixar o famigerado colesterol no preciso momento em que ela foi posta em causa publicamente pelo trabalho realizado pelo investigador americano. Trabalho virá em que se diga bem deles e se aconselhe o seu consumo e, sem dúvida, que outro se seguirá para contestar o anterior. Quando assim acontece é porque o efeito que antevemos e desejamos comprovar, se existe, não tem a intensidade requerida para ser verdadeiramente importante.

Daí que o melhor seja sabermos, por exemplo; que o alho é um bom fornecedor de selênio, que o selênio é um potente antioxidante e que as artérias podem ganhar com isso e, se assim é, integrá-lo judiciosamente na nossa alimentação, cru ou cozinhado para perder a pungência que o torna malquisto. Fazer, utilizando as folhas tantas vezes desprezadas, uma bela sopa de alho-porro quando o apetite o sugerir ou a saudade o pedir. Enquanto o fazemos, com estes e todos os outros gêneros disponíveis, podemos variar a alimentação monótona que o ritmo de vida actual muitas vezes determina e fornecer à maquina com abundancia todo o material de que necessita para funcionar por muitos anos sem avarias irreparáveis.

Entretanto discutir-se-á, algures à face da Terra, o sexo dos anjos do céu e nós esperaremos, confortáveis e de boa saúde, que nos digam finalmente se são meninas, meninos ou que, por ironia do destino, não têm sexo que se veja.


‘Lima Reis’

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