segunda-feira, 18 de julho de 2011

A origem do arroz (1ª parte)


 Silvana Mangano em cena do filme  Arroz Amargo
Silvana Mangano em cena do filme Arroz Amargo

Lecticia Cavalcanti
Do Recife (PE)

Semana passada, recebi carta (isso mesmo, ele sabiamente não usa e-mail) do grande pintor pernambucano, e leitor assíduo dessa coluna, José Claudio. "Hoje estava comendo uma quiaxada (segundo ele, mistura de quiabada com maxixe) e, quando juntei o arroz, fiquei pensando sobre sua origem, sua presença no Império Romano ou o que a Europa daquele tempo, bem antes de Cristo, comia"; após o que sugeriu, na carta, "Taí uma pesquisa interessante".
Sugestão aceita, logo lembrei do filme "Arroz Amargo", de Giuseppe de Santis. Um dos muitos produzidos pela Cinecittá, depois da Segunda Guerra. No filme, Silvana Mangano, atriz italiana dos anos 50, passou quase todo o tempo com os pés nas águas de uma plantação de arroz. À serviço de patrões insensíveis - como insensíveis eram quase todos os patrões de quase todos os filmes italianos dos anos 50. Acabou morrendo, coitada. E não de alguma doença ribeirinha. Mas de amor. Jogando-se do alto de uma torre, desesperada pela morte do grande Vittorio Gassman. O rio em que estava aquele arrozal, bom lembrar, era o Pó, que corta a Itália de um lado ao outro, entre cidades e sabores - Parma e seus queijos; Bologna e seus molhos; Ferrara e seu Cappeletti de Abóbora; Cremona, terra de Antonio Stradivarius, e seu Risotto in Festa. Próximo ao Pó fica o Rio Sesia; de onde, à beira de Vercelli, o laboratório de La Sapise conseguiu realizar cruzamento genético que resultou em um arroz preto - o "rizo venere", muitíssimo mais saboroso que aquele colhido pela bela Mangano. Mas a história do arroz começa, caro amigo José Claudio, bem antes daquele filme.
Há registros de seu cultivo na China (entre 8200 - 7800 a.C.), em Hunan. Era, então, alimento e símbolo de fertilidade. Na Índia, acreditava-se que os arrozais tinham alma - razão porque desde então, e até hoje, é comum ver pequenos templos em meio às plantações. Nas águas que escorrem do Himalaia, desde muito tempo, se cultiva o "Basmati" - um arroz com aroma de sândalo, consumido só sete anos depois de colhido, hoje considerado pelos grandes chefes o melhor do mundo. Não está presente, como alimento, na Bíblia - apesar de ser usado, àquele tempo, na fabricação de cerveja, vinagre e vinho. No séc. IV a.C., Alexandre (o Grande) traz esse arroz, do Oriente, para Grécia e Roma - onde, no começo, foi usado apenas para preparar infusões medicinais e cosméticos.
O filósofo Teosfrato e também Plínio (o Velho), recomendavam água de arroz para combater os males do intestino. Não há referência a ele no livro de Apicius (30 a.C. - 37 d.C.), considerado primeiro livro de culinária propriamente dito. Nem está presente nos grandes banquetes romanos. Revelados sobretudo no livro "Satyricom", de Petrônio (27-66) - um homem cheio de vícios, inclusive o de freqüentar a corte do Imperador Nero. No capítulo "A Ceia de Trimalquião", com ele aprendemos que quanto mais exagero, ostentação, luxo e orgias tivessem os banquetes, mais importância e prestígio eram dados ao anfitrião. Nessas ceias serviam frutas e especiarias trazidas de todos os lugares, sem importar distância ou dificuldade de trazê-las; e sobretudo animais raros, e de grande porte, por serem nas mesas muito mais imponentes. Na referida ceia de Trimalquião, por exemplo, foram servidos aos convidados: salsichas assadas em grelha de prata; ameixas da Síria; bagas de romã; ovos feitos de massa, recheados com pintos vivos, envolvidos em gema apimentada; tetas de porca e lebre ornamentada com asa; javali inteiro, recheado com tordos vivos e acompanhado de tâmaras secas; carne de porco arrumada em forma de ganso, tendo em volta peixes e várias espécies de aves. Sem nenhuma referência ao arroz. 

(Continua no próximo sábado)

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