Arte da Mesa e a Família Real: Sandra Moreyra apresenta a sobremesa francesa que cruzou o Atlântico depois de conquistar a corte portuguesa. Você conhece o Napoleão Bonaparte da cozinha?
Muitos personagens ajudaram a construir a história de sucesso da gastronomia francesa, mas um deles arrebatou a realeza e mudou para sempre a forma de servir um banquete. A repórter Sandra Moreyra viajou até lá e foi conhecer de perto essa história.
É uma reportagem sobre os 200 anos da vinda da Família Real para o Brasil. Hoje, a coluna é especial: conheça o melhor cozinheiro de reis, rainhas e imperadores que o mundo já teve.
Paris, 1783. Cortiços ocupavam a hoje charmosa margem esquerda do Sena. Em um deles, numa note fria, nasceu Marie Antoine Carême, 16º filho de um carpinteiro. A fome já tomava conta da cidade. A monarquia estava por um fio.
Naquela época, Napoleão Bonaparte, 14 anos, passara da Escola de Brienne para a Academia Militar. Não era rico, mas sua família tinha sido reconhecida como parte da nobreza corsa, o que deu direito ao jovem Bonaparte de freqüentar as melhores escolas para meninos.
Aos 10 anos de idade, em pleno período do terror da Revolução Francesa, Marie Antoine foi abandonado pelos pais. Não havia o que comer. O caos dominava Paris. O rei Luis XVI seria guilhotinado em seguida.
Marie Anotoine, já chamado de Antonin, resgatado por um cozinheiro de um restaurante pé-de-chinelo, aprendeu ali o be-a-bá : a sopa, comida da gente comum e dos soldados. Napoleão tinha o hábito de conferir pessoalmente como era feita a sopa de campanha nas batalhas. Queria seus homens muito bem alimentados.
Em 1796, antes de assumir o comando do exército francês na Campanha da Itália, Bonaparte se casou com Josefina de Beauharnais. Foi Carême quem fez todo o banquete do casamento.
Até hoje, as técnicas culinárias de Antonin Carême foram ensinadas nas melhores escolas de gastronomia do mundo. Nós viemos na mais famosa delas, o Cordon Bleu de Paris, para mostrar o trabalho do chef Jean-Jacques Tranchant, que também é um Napoleão na cozinha.
A escola, que nasceu 60 anos depois da morte de Carême, intoxicado pelo carvão das cozinhas escuras e sem janelas, tem no cozinheiro dos reis uma inspiração. O chef Tranchant nos conta que qualquer chefe ou estudante tem a obrigação de conhecer as receitas e técnicas de trabalho do rei dos cozinheiros e só está pronto na patisseria quem consegue trabalhar o açúcar como Carême fazia.
Jean-Jacques Tranchant prepara o croque-en-bouche , ou seja, “quebra na boca”. Com a massa de rechear da patisseria, Jean Jacques faz com o saco de confeiteiro as bolinhas para assar, como os profiteroles e os pequenos “ecláirs”, as bombinhas, clássicos da doçaria francesa.
Enquanto os bolinhos assam, ele prepara com a ajuda da estudante Saiko, uma nipo-brasileira, o creme para o recheio – também um clássico creme patissiére, que leva leite, gemas de ovos, açúcar, farinha de trigo e maíz, perfumado com kirsch, a aguardente de cerejas. E também o caramelo, um dos seis pontos de derretimento e moldagem do açúcar trabalhados por Carême.
Com as bombinhas assadas, é rechear uma a uma e passar no caramelo. São elas que vão formar a pirâmide do croque-en-bouche. A massa folheada, assada e decorada com amêndoas cobertas de casquinha de açúcar faz não só a decoração, mas o prato inteiro, que é todo comestível.
A pirâmide cresce rapidamente. Mas se você acha que acabou, nada disso. Aí vem a parte mais extraordinária, que é como Carême chamava essas esculturas de doçaria: as rosas e garças de açúcar. As flores têm tons róseos e perolados. Arte como faria o próprio Carême e que Napoleão certamente aprovaria com seu selo imperial.
Sandra Moreyra em Paris
quarta-feira, 12 de março de 2008
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